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As Crônicas de Everia O Espelho de Cristal

Prólogo – A Canção do Vento

O vento falava com Aethera.

Ela sabia que os outros não escutam, ou fingem não escutar. Mas o vento sussurrava — entre as árvores, sobre os lagos, nas dobras da sua capa — com vozes de tempos esquecidos. Vozes que tremiam como folhas, que gemiam como lobos feridos.

Naquela noite, ele trouxe um aviso.

Ela estava sentada à beira do Lago Lyssera, onde as águas eram tão claras que se podia ver o fundo, mesmo sob a luz pálida da lua. As árvores ao redor balançavam em um lamento silencioso. Os pássaros haviam se calado. Até os sapos, sempre ruidosos, se recolheram.

Algo vinha. Algo antigo. Algo errado.

Aethera estendeu os dedos sobre a superfície do lago. A água respondeu. Sempre respondia. Um tremor — como se o espelho do mundo tivesse sido tocado por uma mão invisível. Não era magia, não como os livros descreviam. Era algo primitivo. Instintivo. Como um sussurro no útero da terra.

O espelho estava despertando.

Ela o vira em sonhos. Sempre envolto em névoa, em chamas ou em sangue. Um cristal puro, suspenso entre raízes negras, com olhos que a observavam de dentro do reflexo. Em alguns sonhos, ela corria em sua direção. Em outros, fugia.

— Vai acontecer em breve... — murmurou ela, mais para si mesma do que para o mundo.

A magia ao seu redor estava agitada. Os corvos voavam em círculos, os cervos se afastavam da margem, e o céu estrelado parecia mais distante do que nunca.

O velho druida, Arvan, dissera a ela certa vez:

"Toda magia tem um preço, menina. E quanto mais antiga for a canção, mais caro é o refrão."

Aethera agora entendia.

Ela não queria o Espelho. Não o buscava por ambição, nem por glória. Mas havia algo dentro dela — uma melodia antiga — que a impelia. Como se seu destino estivesse entrelaçado ao artefato, como as raízes de uma árvore que crescem para encontrar a luz.

E então ela ouviu.

Um som seco, como madeira partindo. Virou-se lentamente.

Ali, entre as árvores, um homem a observava. Alto, encapuzado, com olhos que não refletiam a luz.

Não havia som em seus passos. Não havia cor em seu rosto. Mas Aethera sentiu.

Malakai.

Ou o que restava dele.

Ela recuou. Mas ele não se moveu. Apenas desapareceu — como névoa, como ilusão. Como um presságio.

O vento sussurrou novamente.

E Aethera, envolta pelo som do lago e pela sombra das árvores, entendeu: O jogo havia começado.

O espelho os chamava.

E nenhum deles sairia ileso.

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